Por Bruno
Prado
O ano de 2016 começou com uma
notícia histórica para a Astronomia. No dia 11 de fevereiro, pesquisadores do
projeto americano denominado Observatório de Ondas Gravitacionais por
Interferômetro Laser (Ligo, sigla em inglês) captaram e comprovaram a
existência de ondas gravitacionais, fenômeno previsto pelo físico alemão Albert
Einstein há exatos 100 anos. A descoberta foi motivada pela detecção da colisão
de dois buracos negros em 14 de setembro de 2015. Essa colisão ocorreu há mais
de 1 bilhão de anos-luz da Terra. Calculou-se que estes objetos possuem 30
vezes a massa do Sol.
Ao elaborar a Teoria da
Relatividade Geral, Einstein defendeu que há uma espécie de tecido chamado
espaço-tempo, no qual se desenvolvem todos os eventos do Universo. Quando um
objeto se move nesse tecido, sob a ação de uma força gravitacional, cria
oscilações conhecidas como ondas gravitacionais, assim como um barco em
movimento cria ondas na água. Demonstrar a existência dessas ondas era um dos
últimos desafios pendentes da Teoria de Einstein, e representa uma nova era
para a pesquisa científica, pois permite novos estudos de fenômenos que não são
visíveis pela luz.
Nesta entrevista, os professores
Gerson J. Ferreira e Fabricio Macedo de Souza, professores e membros do Grupo
de Nanociências do Instituto de Física da Universidade Federal de Uberlândia
(Infis/UFU), falam um pouco mais sobre os fenômenos físicos e a pesquisa do
Ligo, destacando a importância da descoberta. Além disso, projetam o futuro
para a pesquisa científica.
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Colisão de buracos negros motivou as ondas gravitacionais captadas pelo Ligo. (Foto:Andy Bohn et al.) |
O que são ondas?
Gerson:
Quando definimos uma onda em um curso introdutório de Física, começamos pela
definição de um pulso em uma corda. Imagine uma corda esticada, e você balança
para cima e para baixo, uma vez só. Há uma deformação nessa corda que se
propaga como uma onda. Outros exemplos de onda são o som e a luz [onda
eletromagnética].
Fabrício: Quando você joga uma pedra na superfície de um lago
você vê a formação de ondas na sua superfície, o que é uma visualização
bastante popular de onda. Nós não vivemos sem as ondas. Quando nós falamos, por
exemplo, estamos usando as ondas sonoras. Quando acionamos um celular, estamos
transmitindo ondas eletromagnéticas.
Como definimos a
gravitação?
Gerson: A gravitação é algo muito difícil de definir se
pensarmos em detalhes. Para o Newton, a gravidade é uma força relacionada à
massa dos corpos. Então, se dois corpos têm massa, eles se atraem. O problema é
que essa atração ocorre via ação à distância, instantânea. Essa ação,
filosoficamente, não pode existir, precisa ser melhor definida. Essas
estranhezas são resolvidas por Einstein na Teoria da Relatividade Geral. Nesta, entendemos o tempo como algo relativo,
sendo este um componente do espaço-tempo, plano quadridimensional em que se
desenvolvem os eventos do universo. Se
compararmos o espaço-tempo com uma cama elástica, e nela colocarmos uma bola de
boliche representando um planeta, estrela ou qualquer corpo massivo, ela se
deformará, equivalendo a uma deformação do espaço-tempo. Agora imagine uma bola
de gude correndo nessa manta. Ela deve sentir a influência da deformação e
cair. Nesse caso, você não vê mais a gravitação como uma força, pois não se
trata de uma interação entre duas partículas, mas uma partícula deformando um
plano, e a outra seguindo essa deformação. Isso resolve a questão da
instantaneidade, pois essa deformação leva um tempo para se propagar.
Fabrício: Vale destacar que a informação no universo caminha
na velocidade da luz, levando assim um certo tempo para se propagar de um ponto
a outro no espaço. A luz que sai do Sol, por exemplo, leva aproximadamente oito
minutos para chegar na Terra. As ondas gravitacionais também viajam na
velocidade da luz. Desse modo, suponhamos que o Sol desapareça
instantaneamente. Pelo olhar de Einstein, olhando a gravitação, a Terra deve
continuar orbitando em torno do Sol durante aproximadamente oito minutos, até
receber a informação que ele desapareceu, já para Newton, a saída da Terra da
órbita deveria ser instantânea.
Falem um pouco
mais sobre a formação das ondas gravitacionais?
Gerson: Pensando na analogia do espaço-tempo como uma manta
elástica, ao agitar essa manta, eu crio ondulações, assim como ao agitar uma
corda. São ondas de oscilações no espaço-tempo. Imagine que aquela bola de
boliche está se movendo na manta. É essa dinâmica que cria ondas de oscilação,
da mesma forma que teremos as ondas numa superfície de água em que eu fique
mexendo. São as dinâmicas que mudam o padrão das superfícies e vão se propagar
a uma determinada velocidade.
Fabrício: Einstein previu a existência de
ondas gravitacionais em 1916, após a publicação da sua equação de campo em
1915. O que ele percebeu foi que corpos muito massivos, ao se moverem,
distorcem o tecido do espaço-tempo, produzindo pequenas ondulações que se
propagam nesse tecido.
Como os pesquisadores detectaram as ondas gravitacionais?
Gerson: O projeto Ligo usa um
interferômetro ótico para medir a deformação causada pelas ondas
gravitacionais. O interferômetro é composto por um feixe de laser que é
separado em duas componentes apontadas em direções distintas. Cada componente
percorre uma longa distância (cerca de 4 km), refletem em espelhos e retornam
para se recombinar. Ao se reencontrarem, os feixes de laser, que são ondas
eletromagnéticas, se interferem da mesma forma que duas ondulações em um lago
podem se somar. As características da interferência dependem das distâncias
percorridas por cada feixe de laser. Quando as distorções geradas pelos buracos
negros finalmente atingem a Terra, geram rápidas e ínfimas contrações e
expansões no espaço. Essas deformações são menores do que o tamanho de um
núcleo atômico. Porém, é suficiente para modificar as distâncias percorridas
pelos feixes de laser do interferômetro, afetando o padrão de interferência.
Parece ser impossível de ser medida. Essa precisão é um dos feitos mais
fantásticos do Ligo.
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O laboratório Ligo detectou as pequenas variações e confirmou a ocorrência das ondas gravitacionais. (Foto:National Space Foundation)
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Qual
a importância dessa descoberta para o futuro da pesquisa científica?
Fabrício:
Todo o conhecimento de universo que nós temos até agora é baseado na luz, e
essa descoberta trás uma nova perspectiva, pois os cientistas irão buscar novas
fontes de ondas gravitacionais. Na própria colisão dos buracos negros, não
poderíamos observar o acontecimento utilizando fótons, pois nem mesmo a luz
consegue escapar da intensa gravidade de um buraco negro. . As ondas
gravitacionais, por outro lado, permitem que os cientistas “vejam” coisas até
então não acessíveis via ondas eletromagnéticas.
Gerson:
Imaginem alguém atrás da parede acendendo e apagando uma lanterna. Você não
pode enxergar. A luz de uma estrela distante pode ser barrada por outras
estrelas ou planetas antes de chegar à Terra. Já as deformações do
espaço-tempo, as ondas gravitacionais, até onde sabemos, não são barradas pela
matéria. Ela se propaga. Talvez possamos observar fenômenos que ocorreram nos
instantes iniciais do universo, logo após o Big Bang. Ganhamos um novo olho.
Quais
os impactos práticos dessa comprovação para o cotidiano da humanidade?
Fabrício: A pesquisa básica em Astronomia e em ciência
espacial tem por tradição gerar muita tecnologia empregada no dia-a-dia das
pessoas. Seja em uma cirurgia de precisão a laser ou num simples travesseiro
viscoelástico.
Gerson: Ainda não temos nenhum impacto prático. Uma das
aplicações da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, e que usamos no dia a dia,
é o GPS. A precisão do GPS depende de relógios situados em satélites e que são
perfeitamente sincronizados em função do conhecimento que temos da relatividade
do tempo prevista por Einstein. É difícil prever quais serão os impactos
práticos, mas com certeza passamos agora a enxergar o universo com outros
olhos. Um dos membros do Ligo afirmou que essa descoberta “é como Galileu
apontando pela primeira vez o telescópio para o céu”. Antes disso, a Terra era
plana, era o centro do universo. De repente mudou tudo. Quando ele apontou para
o céu, era a primeira observação do universo com luz, agora temos a primeira
observação com ondas gravitacionais.
Aguardamos ansiosos para descobrir o que as novas medidas irão revelar.
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