quinta-feira, 7 de abril de 2016

Uma nova era para a Astronomia

Por Bruno Prado

O ano de 2016 começou com uma notícia histórica para a Astronomia. No dia 11 de fevereiro, pesquisadores do projeto americano denominado Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (Ligo, sigla em inglês) captaram e comprovaram a existência de ondas gravitacionais, fenômeno previsto pelo físico alemão Albert Einstein há exatos 100 anos. A descoberta foi motivada pela detecção da colisão de dois buracos negros em 14 de setembro de 2015. Essa colisão ocorreu há mais de 1 bilhão de anos-luz da Terra. Calculou-se que estes objetos possuem 30 vezes a massa do Sol.
Ao elaborar a Teoria da Relatividade Geral, Einstein defendeu que há uma espécie de tecido chamado espaço-tempo, no qual se desenvolvem todos os eventos do Universo. Quando um objeto se move nesse tecido, sob a ação de uma força gravitacional, cria oscilações conhecidas como ondas gravitacionais, assim como um barco em movimento cria ondas na água. Demonstrar a existência dessas ondas era um dos últimos desafios pendentes da Teoria de Einstein, e representa uma nova era para a pesquisa científica, pois permite novos estudos de fenômenos que não são visíveis pela luz.
Nesta entrevista, os professores Gerson J. Ferreira e Fabricio Macedo de Souza, professores e membros do Grupo de Nanociências do Instituto de Física da Universidade Federal de Uberlândia (Infis/UFU), falam um pouco mais sobre os fenômenos físicos e a pesquisa do Ligo, destacando a importância da descoberta. Além disso, projetam o futuro para a pesquisa científica.


Colisão de buracos negros motivou as ondas gravitacionais captadas pelo Ligo. (Foto:Andy Bohn et al.)

  
O que são ondas?

Gerson: Quando definimos uma onda em um curso introdutório de Física, começamos pela definição de um pulso em uma corda. Imagine uma corda esticada, e você balança para cima e para baixo, uma vez só. Há uma deformação nessa corda que se propaga como uma onda. Outros exemplos de onda são o som e a luz [onda eletromagnética].
Fabrício: Quando você joga uma pedra na superfície de um lago você vê a formação de ondas na sua superfície, o que é uma visualização bastante popular de onda. Nós não vivemos sem as ondas. Quando nós falamos, por exemplo, estamos usando as ondas sonoras. Quando acionamos um celular, estamos transmitindo ondas eletromagnéticas.

Como definimos a gravitação?

Gerson: A gravitação é algo muito difícil de definir se pensarmos em detalhes. Para o Newton, a gravidade é uma força relacionada à massa dos corpos. Então, se dois corpos têm massa, eles se atraem. O problema é que essa atração ocorre via ação à distância, instantânea. Essa ação, filosoficamente, não pode existir, precisa ser melhor definida. Essas estranhezas são resolvidas por Einstein na Teoria da Relatividade Geral.  Nesta, entendemos o tempo como algo relativo, sendo este um componente do espaço-tempo, plano quadridimensional em que se desenvolvem os eventos do universo. Se compararmos o espaço-tempo com uma cama elástica, e nela colocarmos uma bola de boliche representando um planeta, estrela ou qualquer corpo massivo, ela se deformará, equivalendo a uma deformação do espaço-tempo. Agora imagine uma bola de gude correndo nessa manta. Ela deve sentir a influência da deformação e cair. Nesse caso, você não vê mais a gravitação como uma força, pois não se trata de uma interação entre duas partículas, mas uma partícula deformando um plano, e a outra seguindo essa deformação. Isso resolve a questão da instantaneidade, pois essa deformação leva um tempo para se propagar.
Fabrício: Vale destacar que a informação no universo caminha na velocidade da luz, levando assim um certo tempo para se propagar de um ponto a outro no espaço. A luz que sai do Sol, por exemplo, leva aproximadamente oito minutos para chegar na Terra. As ondas gravitacionais também viajam na velocidade da luz. Desse modo, suponhamos que o Sol desapareça instantaneamente. Pelo olhar de Einstein, olhando a gravitação, a Terra deve continuar orbitando em torno do Sol durante aproximadamente oito minutos, até receber a informação que ele desapareceu, já para Newton, a saída da Terra da órbita deveria ser instantânea.

Falem um pouco mais sobre a formação das ondas gravitacionais?

Gerson: Pensando na analogia do espaço-tempo como uma manta elástica, ao agitar essa manta, eu crio ondulações, assim como ao agitar uma corda. São ondas de oscilações no espaço-tempo. Imagine que aquela bola de boliche está se movendo na manta. É essa dinâmica que cria ondas de oscilação, da mesma forma que teremos as ondas numa superfície de água em que eu fique mexendo. São as dinâmicas que mudam o padrão das superfícies e vão se propagar a uma determinada velocidade.
Fabrício: Einstein previu a existência de ondas gravitacionais em 1916, após a publicação da sua equação de campo em 1915. O que ele percebeu foi que corpos muito massivos, ao se moverem, distorcem o tecido do espaço-tempo, produzindo pequenas ondulações que se propagam nesse tecido.

            Como os pesquisadores detectaram as ondas gravitacionais?

Gerson: O projeto Ligo usa um interferômetro ótico para medir a deformação causada pelas ondas gravitacionais. O interferômetro é composto por um feixe de laser que é separado em duas componentes apontadas em direções distintas. Cada componente percorre uma longa distância (cerca de 4 km), refletem em espelhos e retornam para se recombinar. Ao se reencontrarem, os feixes de laser, que são ondas eletromagnéticas, se interferem da mesma forma que duas ondulações em um lago podem se somar. As características da interferência dependem das distâncias percorridas por cada feixe de laser. Quando as distorções geradas pelos buracos negros finalmente atingem a Terra, geram rápidas e ínfimas contrações e expansões no espaço. Essas deformações são menores do que o tamanho de um núcleo atômico. Porém, é suficiente para modificar as distâncias percorridas pelos feixes de laser do interferômetro, afetando o padrão de interferência. Parece ser impossível de ser medida. Essa precisão é um dos feitos mais fantásticos do Ligo.


O laboratório Ligo detectou as pequenas variações e confirmou a ocorrência das ondas gravitacionais. (Foto:National Space Foundation)

Qual a importância dessa descoberta para o futuro da pesquisa científica?
         
            Fabrício: Todo o conhecimento de universo que nós temos até agora é baseado na luz, e essa descoberta trás uma nova perspectiva, pois os cientistas irão buscar novas fontes de ondas gravitacionais. Na própria colisão dos buracos negros, não poderíamos observar o acontecimento utilizando fótons, pois nem mesmo a luz consegue escapar da intensa gravidade de um buraco negro. . As ondas gravitacionais, por outro lado, permitem que os cientistas “vejam” coisas até então não acessíveis via ondas eletromagnéticas.
           Gerson: Imaginem alguém atrás da parede acendendo e apagando uma lanterna. Você não pode enxergar. A luz de uma estrela distante pode ser barrada por outras estrelas ou planetas antes de chegar à Terra. Já as deformações do espaço-tempo, as ondas gravitacionais, até onde sabemos, não são barradas pela matéria. Ela se propaga. Talvez possamos observar fenômenos que ocorreram nos instantes iniciais do universo, logo após o Big Bang. Ganhamos um novo olho.


          Quais os impactos práticos dessa comprovação para o cotidiano da humanidade?
        
          Fabrício: A pesquisa básica em Astronomia e em ciência espacial tem por tradição gerar muita tecnologia empregada no dia-a-dia das pessoas. Seja em uma cirurgia de precisão a laser ou num simples travesseiro viscoelástico.
Gerson: Ainda não temos nenhum impacto prático. Uma das aplicações da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, e que usamos no dia a dia, é o GPS. A precisão do GPS depende de relógios situados em satélites e que são perfeitamente sincronizados em função do conhecimento que temos da relatividade do tempo prevista por Einstein. É difícil prever quais serão os impactos práticos, mas com certeza passamos agora a enxergar o universo com outros olhos. Um dos membros do Ligo afirmou que essa descoberta “é como Galileu apontando pela primeira vez o telescópio para o céu”. Antes disso, a Terra era plana, era o centro do universo. De repente mudou tudo. Quando ele apontou para o céu, era a primeira observação do universo com luz, agora temos a primeira observação com ondas gravitacionais.  Aguardamos ansiosos para descobrir o que as novas medidas irão revelar.